o Instituto Ling apresenta Viração, exposição individual do artista Cristiano Lenhardt, com curadoria de Clarissa Diniz. A mostra reúne dez obras inéditas, entre audioesculturas e videoesculturas, além de telas produzidas sobre tecidos marcados pelas águas do Guaíba durante a enchente de maio de 2024. Esses tecidos, coletados pelo artista, recebem aplicações em cerâmica, alumínio e bordados.
Exposição estará em cartaz até 18 de outubro de 2025, com visitação livre de segunda a sábado, das 10h30 às 20h.
Foto Divulgação Instituto Ling
VIRAÇÃO – CRISTIANO LENHARDT
Ainda criança, em Itaara, ao ouvir os murmúrios quentes e secos do Vento Norte, Cristiano Lenhardt aprendeu a interpretar as profecias que corriam pelos ares. Embalado pelas velozes e temidas rajadas que sopram na região de Santa Maria, defrontou-se desde cedo com as forças cósmicas, educando seus sentidos para perceber vibrações invisíveis a partir do toque da brisa nos pelos do corpo e do frio na espinha.
Nos anos seguintes, manteve-se dedicado à escuta da matéria invisível. O fascínio pelas imagens passou a caminhar de mãos dadas com seu alumbramento diante do que não cabe no olhar: as sensações sussurradas pelas ondas eletromagnéticas do ruído branco de uma televisão fora do ar, o tremelicante calor da luz, os táteis assobios do vento.
Encantado, o artista passou a anotar as mensagens que recebe ao escutar aquilo que não pode enxergar. Concentrado no denso som dos movimentos da atmosfera e nos muitos rumores que a habitam, Lenhardt vem gravando – na forma de enigmáticas cartas inscritas em linhas, bordados, placas de alumínio ou cerâmicas – os significados que o vento sussurra ao pé de seu ouvido. Um exercício de tradução que não tem a pretensão de comunicar, mas, sobretudo, de reverenciar.
Em VIRAÇÃO, parte dessa misteriosa correspondência pousa sobre tecidos de algodão que foram, por sua vez, entintados pelas águas do Guaíba. Porque dobrados e armazenados numa loja de tecidos nos arredores do Mercado Público de Porto Alegre, após a trágica enchente de maio de 2024, nesses panos ficaram gravadas – tal qual sudários – as lamacentas marcas do Guaíba, levado a extravasar suas próprias margens por não ter mais para onde correr. Índices do calamitoso derretimento global em curso, os tecidos reverberam os alertas das águas diante de nosso futuro: um chamado acolhido por Cristiano que, em resposta, sobre eles deitou as palavras dos ventos.
Como quando silenciava para ouvir o que o Vento Norte tinha a dizer, o artista pressente que estamos num tempo de virada. Por isso, além das cartas recebidas e emanadas, Cristiano Lenhardt também nos presenteia com luminosos portais e com as Bendizentes, esculturas que sopram bênçãos ao pé de nossos ouvidos, evocando porvires de regeneração no próprio furor da VIRAÇÃO.
Clarissa Diniz
Curadora
